Editora para autores e editora para leitores
Editoras comerciais publicam quem paga e o que vende. Editoras universitárias têm um compromisso com a divulgação do conhecimento produzido na/para a universidade, mesmo que seus livros não tenham apelo comercial. Isso não significa, contudo, que a editora publica livros para atender às necessidades do autor sem considerar o público leitor.
Editora para autores
No contexto da lógica produtivista que mede quantidade em detrimento de qualidade, publicar capítulos de livros conta pontos no Lattes e na progressão funcional. No entanto, a necessidade de garantir estes pontos não pode ser o único estímulo para os autores. O livro não pode ser pensado apenas a partir das necessidades do autor, deve ser elaborado para um público leitor. Isso parece óbvio do ponto de vista do leitor, mas não de editoras para autores. Editais de publicação para publicar livros aprovados em editais anteriores é uma estratégia da editora atender à demanda de seus autores, fazendo com que os autores entendam a editora como um selo, não como uma editora que propõe projetos editoriais e que submete as propostas de livro a um processo de avaliação em três etapas: avaliação do editor, avaliação cega por pares e avaliação do Conselho Editorial.
Agências de fomento como a Capes e Cnpq estabelecem diretrizes formais para as publicações dos autores ao valorizar mais publicações do que participações em eventos. Para fins de progressão funcional, por exemplo, publicar a tese conta mais que publicar um artigo em periódico nacional. Publicar um capítulo de livro vale tanto quanto organizar uma coletânea. Participar de congresso, dialogar com os pares sobre o seu trabalho, expor o seu trabalho oralmente não conta pontos para fins de progressão funcional. Essa ordem de valores influencia as escolhas das pessoas.
Há quem faça o cálculo comparativo entre os gastos de uma ida a congresso (e consequente publicação em anais) e os gastos da publicação de uma coletânea. O resultado é que reunir textos de alunos numa coletânea e publicá-la (rateando os custos entre os autores) por uma editora comercial sai mais barato que enviar esses mesmos alunos para congressos. Acontece que os textos produzidos pelos alunos (normalmente artigos que servem como avaliação de fim de curso) dificilmente seriam aceitos por revistas científicas, se submetidos individualmente. Trata-se de estudos de caso que aplicam a teoria/metodologia apreendida durante um curso. Ou essa metodologia se dilui nos textos, ou é repetida exaustivamente em cada texto. Em ambos os casos, o leitor não entende por que esses textos estão juntos no mesmo livro e não percebe o fio vermelho que os costura. Em algumas coletâneas, os organizadores aparecem numa lista enorme, e assim cresce o número de pessoas que ganham pontos por publicação.
A ciência tem como característica definidora o diálogo entre pesquisadores. Nesse sentido, coletâneas são ótimos espaços para mostrar pesquisas coletivas, que se desenvolveram em diferentes laboratórios, por diversos pesquisadores que se debruçam sobre um mesmo problema. O papel do organizador do livro é dar vida e sentido à coletânea: seja propondo o trabalho coletivo aos autores, seja dirigindo - como um maestro - a produção dos textos, seja ordenando e justificando a ordem dos capítulos. Por isso o trabalho de costurar textos reunidos, escritos com diferentes propósitos (por exemplo, a aprovação ao final de um curso) é tão difícil e às vezes impossível.
Quando o livro é de um autor, editoras para autores publicam trabalhos que o autor já tinha pronto (dissertação ou tese, relatório de pesquisa ou algo que o valha) e adequou ao formato de livro. Fazer do livro a obra da vida inteira já não é mais projeto de ninguém nos dias de hoje. Infelizmente o que é posto em relevo é a produtividade do autor.
Na EDUFRO, poucos títulos são de autores/organizadores não ligados à universidade em que se situa a editora. Dos autores não vinculados à UNIR, quase todos publicaram literatura, e dentre eles está o atual governador do Estado, que publicou crônicas e contos. A maior parte das editoras universitárias não aceita propostas de ficção – e não temos exemplos de romances significativos publicados por editoras universitárias, porque os três pilares da universidade são ensino, pesquisa e extensão. A maior parte das editoras universitárias tradicionalmente prioriza a pesquisa. Contudo, não há publicação de pesquisa por parte de professores de outras instituições nesta editora. Isso quer dizer que grande parte do conhecimento produzido sobre a Amazônia e Rondônia não se capilariza, não promove o diálogo onde o conhecimento é produzido.
Editoras para leitores
Editoras universitárias reputadas como a Edusp, Editora da UFMG, Fundação Editora da Unesp etc. publicam autores da instituição e fora dela em todas as modalidades que elas publicam. Organizam seu catálogo em séries e coleções e jamais algum autor pergunta para uma editora dessas se ela pode dar seu selo para um livro editado por outras editoras. Submeter um livro nessas editoras não equivale a pedir um favor, mas submeter o livro à avaliação. O autor/organizador sabe que a avaliação leva em conta a qualidade e relevância do texto e o potencial que o livro tem de se tornar referência.
O processo de avaliação da proposta de livro por dois pareceristas não identificados que não conhecem a identidade do(s) autor(es) é de suma importância numa editora universitária, bem como a avaliação que o Conselho Editorial faz do manuscrito com base nos pareceres. O livro é avaliado por seu mérito, não pela necessidade do autor/organizador de publicar.
A EDUFRO, que existe para suprir uma enorme lacuna editorial em Rondônia, não foi projetada para ser uma editora universitária. Fundada em 2001, seu primeiro regimento interno apareceu em 2008 e sua primeira proposta de política editorial foi elaborada na gestão atual. As regras de publicação não eram conhecidas pela comunidade, e talvez por isso os professores da UNIR se sentissem tão à vontade para pedir o selo da EDUFRO.
A ABEU (Associação Brasileira de Editoras Universitárias) se empenha, através de projetos de lei específicos para editoras universitárias[1], em possibilitar a plena profissionalização das editoras universitárias. A primeira reivindicação relaciona-se à rotatividade dos gestores na Reitoria (à qual a maioria das editoras universitárias é ligada), o que afeta a continuidade da gestão da editora, visto que o editor é indicado pelo reitor. A segunda diz respeito à equipe e a profissionalização do pessoal técnico que trabalha na editora. Em seguida vem a organização e dilatação do tempo para realizar programas/projetos editoriais. Por fim, destaco um mecanismo que estabelece que uma porcentagem mínima do orçamento da universidade seja regularmente direcionada para a editora. Autonomia, equipe competente, objetivos editoriais e financiamento continuado é o que qualquer editora para autores deseja para se transformar em editora para leitores e merecer o nome de editora universitária.
Porto Velho, 16 de maio de 2018
Lou-Ann Kleppa
Editora da Edufro
Portaria nº 557/2017/GR/UNIR
[1] Uma lei para as Editoras Universitárias. Revista Verbo, n. 12, 2015, p. 19.